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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Hepatites epidemia ignorada.

Hepatites, epidemia ignorada -

Reportagem Dr. Drauzio Varella - 2

Reportagem Fantástico - 24/07/2011

Doutor Drauzio mostra o tipo mais agressivo dessa hepatite: o tipo C.


Carlo Varaldo
 
        Domingo passado, o doutor Drauzio Varella estreou aqui uma série sobre uma doença que três milhões de brasileiros têm e não sabem: a hepatite. Hoje, o Doutor Drauzio vai tratar do tipo mais agressivo dessa doença: a hepatite tipo C.

        ‘Eu não sentia nada, não sentia sintoma algum, não sentia dor. Levava um cotidiano normal. Nada que me indicasse que eu tinha esse tipo de hepatite C’, relata Ricardo Miguel, vendedor. ‘Faz uns dez anos mais ou menos que eu comecei a perceber que alguma coisa estava errada’, conta Ely.

        A hepatite C é uma doença causada por um vírus caprichoso, que entra pela corrente sanguínea e permanece no organismo por muitos anos. Agredindo o fígado na covardia, sem provocar sintomas. Hepatite C não tem vacina. A hepatite B tem. A hepatite C não. Há de um milhão e meio a dois milhões de brasileiros com hepatite C crônica. Se não forem identificados e tratados com medicamentos, muitos deles só poderão ser salvos pelo transplante de fígado. Não haverá órgãos disponíveis para tanta gente.
 
        Quando tinha 22 anos de idade, Ricardo descobriu que era portador de hepatite C. Não sentia nada. Fez tratamento, mas não conseguiu eliminar o vírus. Agora, como está com cirrosa, faz uma nova tentativa.
 
        “O hepatologista me avisou que eu teria que estar retomando as medicações e que a chance agora do vírus da hepatite C negativar é grande. Só que como eu tenho também cirrose, esse processo da cirrose não tem como sumir, mas a carga viral negativando já é um grande avanço. Dá para prolongar mais uns anos de vida”, explica Ricardo.

        De 20% a 30% dos portadores de hepatite C desenvolvem cirrose. Um processo contínuo e irreversível de destruição das células do fígado que afeta o funcionamento do órgão. A cirrose pode ser interrompida, mas as áreas destruídas do fígado não se recuperam.
 
        Ricardo conta como contraiu a doença: “Quando eu tinha 3 anos de idade, eu tive uns problemas respiratórios, precisei ficar internado na UTI e recebi sangue. É a única coisa que pode ter acontecido, porque eu nunca tive contato com drogas, nunca participei de grupos de risco. A única hipótese é essa”.

        Hoje, as transfusões são muito seguras no Brasil. O sangue é testado contra várias doenças. Entre elas, contra hepatite C. Infelizmente não era assim no passado. O vírus era desconhecido, não havia teste. O teste só se tornou obrigatório em 1993. Por isso, precisam ser testados todos os que receberam sangue antes de 1993. Além deles, os usuários de drogas injetáveis, aqueles que tomaram injeções com seringas de vidro, os portadores de HIV e todos os que se feriram com instrumentos cortantes usados por outras pessoas.

        Ely Rocha descobriu que tinha hepatite C por causa de uma ferida no pé que não curava. Aos poucos, seu quadro foi se agravando, pés inchados, barriga d’água e por fim a confusão mental. Sinais de hepatite C crônica em estágio avançado.
‘Eu comecei a tirar água da barriga. Em uma semana, tirava duas vezes. Isso me prejudicou muito. Quando eu precisava ir a banco, aos lugares, eu não usava o carro. Eu ia a pé, porque eu gosto de andar. Aí fui me restringindo. Se eu desse uma volta no quarteirão, não tinha pique para voltar”. “Eu sinto que parei no meio do caminho, Eu não estou vivendo”.

        Com o fígado destruído pela hepatite C, Ely só tinha uma alternativa: o transplante. “Meu caçula, o Hélio, se prontificou a ser meu doador. Eu acho que vai melhorar. Porque pior do que está não fica”.

        Sem tratamento, o vírus da hepatite C destrói o fígado devagarzinho. Na fase final, o transplante é a única saída. Mas o transplante não é obrigatório. Quando descoberto mais cedo, a hepatite C pode ser tratada com medicamentos para eliminar o vírus e acabar com a doença, gratuitamente, pelo SUS. Em nosso país, há mais de um milhão de pessoas com hepatite C. Apenas 20 mil recebem tratamento. E as outras, vão depender de transplante?

        O tratamento da hepatite C com medicamento não é fácil. Os remédios são muito eficazes para combater o vírus, mas provocam efeitos colaterais. “Estou com sintomas de febre, tremendo muito, dor de cabeça, os olhos irritados... Continuo sentindo dor de cabeça ainda, corpo cansado, fadigado... Ontem eu tomei o Interferon Peguilado. Não senti sintoma algum, só da medicação até o momento... Os dias estão se passando que eu tomando o Interferon Ribavirina, eu estou sentindo que estou ficando mais ansioso, um pouco nervoso com situações que normalmente eu não ficaria... Eu estou melhorando a cada dia que passa, estou sentindo menos os sintomas das medicações”, narra Ricardo.

        O tratamento é de 48 semanas. “Quando terminar o tratamento, eu espero viver minha vida normalmente, constituir uma família. Após o tratamento acabar, essas 48 semanas, eu tenho que esperar mais seis meses para poder pensar em constituir uma família, porque – até o momento – se eu tiver um filho, a criança pode nascer com algum problemas devido às medicações. Mas espero levar minha vida normalmente como sempre levei”, revela Ricardo.

        “Quando a cabeça está boa, você pode estar fisicamente mal, mas a cabeça também não estava boa. Eu era uma pessoa que contava uma coisa agora e daqui a cinco minutos contava a mesma história. E aí que eu estava percebendo que estava indo embora”, diz Ely.

        “Quando acordei do transplante, parecia um sonho. A primeira coisa que eu fiz foi pôr a mão na barriga. Não tinha barriga. Eu sentia minha cabeça pensando melhor, falando coisa com coisa. Não estava mais sendo repetitivo”, Ely.

        No Brasil, quem sofre de hepatite C crônica nem desconfia. Quando descobre é tarde, muito tarde. Já corre risco de perder a vida. Só existe uma forma de você saber se é portador do vírus: faça o teste. É de graça pelo SUS. Nós, médicos, temos a obrigação de pedir o teste para nossos pacientes. É simples. É só escrever anti-HCV.
 
        “Pra mim, eu falo que ele é meu filho, eu não tenho filho, mas eu praticamente dei à vida pra ele de novo”, diz Hélio Fernando Rocha, filho de Ely.

        “Eu tive que deixar de comer churrasco, que eu era apaixonado. Leite, derivado de leite eu não podia comer. A comida era sal, tudo era insosso, eu não me sentia bem, parece que não me alimentava. Hoje eu tenho esperança de estar mais alguns anos entre o pessoal, curtir meus netos, curtir minha família, meus filhos. Eu hoje me sinto satisfeito, feliz da vida”, comenta Ely.

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